Como é ser indígena mulher em contexto urbano

Mulheres em manifestação no Dia da Terra em Brasília, em 22/4/22. Foto: Luciene Kaxinawá

Luciene Kaxinawá

Sou Luciene Kaxinawá, do povo Huni Kui (Povo Verdadeiro), tenho 27 anos e até hoje foram incontáveis as vezes que ouvi frases como: “Você tem cara de índia” ou quando me invalidam, “você não tem cara de “índia”, ou pior, “saiu da aldeia, não é mais índia”.
Chegaram a me criticar quando pintei os meus cabelos pretos por loiros e fiz procedimentos estéticos. Quando falo sobre as críticas, as palavras duras vieram do meu povo e dos Nawá (pessoas não-indígenas). Só não sabiam que as mudanças foram uma tentativa de me livrar da imagem de uma mulher indígena que sofreu diversos tipos de abusos.
O Brasil registrou, no ano passado, 2.423 casos de violência contra nós, mulheres, sendo que 495 terminaram em morte. Agora, ser uma mulher jovem e indígena é um desafio ainda maior. Quando falamos do profissional, por exemplo, quantas de nós vocês já viram ocupando cargos de liderança? Segundo o IBGE, as mulheres ocupam somente 38% dos cargos de liderança no Brasil. Para minha formação profissional também foi difícil, pois eu não tinha referências de indígenas na televisão, tive que construir um caminho solitário e de muita luta para ocupar o lugar de primeira indígena jornalista da TV brasileira.
Em conversa com a parente (assim que nós indígenas nos tratamos) Morotin Metracop Clarice Cao Orowaje Canoé, ela me disse: “Ser indígena mulher no contexto urbano é desafiador por uma sociedade que lhe impôs o que lhe convém, porque a sociedade não-indígena não quer saber quem é você. Todos os dias temos que lutar por aquilo que queremos e acreditamos. O nosso pensamento não é individual e sim coletivo. Temos que ser fortes por nós e pelos outros. Isso é ser uma mulher indígena no contexto urbano”.
E completou ainda falando sobre o principal desafio enfrentado pela indígena mulher: “O nosso maior desafio é o preconceito, nos inserirmos na sociedade onde nós somos invisíveis, o nosso município (Guajará-Mirim/RO) também não nos oferece nada em termos de saúde, educação e infraestrutura, o nosso desafio também é adentrar nas políticas públicas”.
Por muito tempo, deixei que a opinião do outro interferisse na minha vida, e consequentemente isso me criou sérios prejuízos psicológicos . Hoje, depois de muitos fatores, trabalhos e acontecimentos diversos, me cuido da depressão e ansiedade que insistem em fazer parte do meu dia-a-dia. Mas me lembro que sou mulher, sou indígena, e não irei mais permitir que desarrumem A MINHA MENTE.
Muitas pessoas julgam indígenas como incapazes e se surpreendem quando fazemos coisas comuns que outras pessoas também fazem como estudar, morar em cidade grande, se formar e trabalhar como médicos, jornalistas, falar a língua portuguesa ou inglês, ouvir diversos tipos de músicas. 
 NÃO deixamos de ser INDÍGENAS, pelo fato de morar na cidade, estudar ou querer mudar a cor do nosso cabelo, ser indígena é questão de identidade, história, cultura e ancestralidade. 
 O que precisa ser feito são políticas públicas em prol de mulheres, que defendam a vida, acesso simplificado a atendimento médico, incentivo de capacitações, entre outras medidas políticas e sociais. Somos seres humanos! Precisamos e merecemos respeito de todos!

 

Luciene Kaxinawá. Foto: Arquivo pessoal

Luciene Kaxinawa. Foto: Arquivo pessoal

Morotin Metracop Clarice Cao Orowaje Canoé. Foto: Arquivo pessoal

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