Há 500 anos, os incas sabiam que o Amazonas nasce no Peru

Rio Amazonas. Foto: Adriano Gambarini

Quando estabeleceram, em 2007, que o Amazonas é o rio mais longo do mundo, com base em expedição, marcações de GPS e imagens de satélites, os cientistas brasileiros e peruanos reafirmaram uma verdade que os índios andinos conheciam há mais de cinco séculos: seu verdadeiro formador é o Rio Ucayali, e não o Tunguragua. Essa constatação o torna mais comprido que o Nilo. Mas ela já estava escondida, durante todos esses séculos, nos nomes desses dois rios.
Numa impressionante pesquisa apresentada em 1889, o jurista João Mendes de Almeida mostrou que Tunguragua vem do tupi Tange-yrê-áquá, que significa “corre apressadamente atrás de outro”. E Ucayali é na verdade a corruptela de Oquâ-uâ-ré, o que “passa veloz e destramente adiante, deixando outro atrás”. Isso porque, apesar de nascer mais ao sul que o Tunguragua, o Ucayali “corre mais rápido” e se encontra com ele.
Também a nascente de ambos já estava definida no século 18: é o Lago Lauricocha (Yâ-ri-qu’ógca, ou “tramado de fendas”, por sua origem vulcânica).
Para os que, com razão, estranham essas explicações em tupi no berço do Império Inca, Almeida faz mais revelações: o nome Peru vem de Pé-rú, que em tupi significa “tem caminho”, numa referência à estrada que cortava os Andes – que por sua vez vem de A’-ndi, ou “muitos picos”. O “povo tupi” foi a “primeira geração” das Américas, arremata o estudioso, depois de outras referências etimológicas que alcançam até o México.
Os nomes – ou a ignorância sobre eles – tiveram implicações geopolíticas que encurtaram o Rio Amazonas. Os portugueses não permitiram que o Rio Marañon, do qual o Tunguragua é afluente, e que desce estrepitosamente os Andes, chegasse com esse nome ao Brasil, por acreditar na lenda segundo a qual ele provinha de um suposto capitão espanhol que o teria descoberto. Na verdade, seu nome vem de Maran-nhã, em tupi o que “corre despropositadamente”.
Todas essas confusões decorrem do quanto o Amazonas é um rio improvável. Sua nascente está muito perto do Oceano Pacífico, a 5.300 metros de altitude, num pico seco e frio. Ali, ele começa como uma lâmina d’água esquálida, que em nada lembra o Parà-nà-guaçú, “semelhante ao mar grande”, como os índios o chamavam.
Antes de escolher seu caminho, ele hesita. Corre em geral na direção sul-norte, e chega a desenhar uma curva ao nor-noroeste, como se pretendesse fazer o caminho mais curto. Depois, num estreito chamado de Pongo de Manseriche, que atravessa sofregamente, vira-se bruscamente para o leste. E lança-se na mais longa viagem de um rio na Terra: pelo menos 6.850 km (o Nilo tem 6.670), até desaguar do outro lado do continente.
Na verdade, o Amazonas já nasce violento, ao descer do Altiplano peruano, trocando de nome seguidamente em seu caminho. Quando chega à planície, muda completamente de ritmo. De Benjamin Constant, na fronteira com o Peru, até o Atlântico, o rio desce apenas 65 metros, na sua travessia de 3.220 km do território brasileiro – o que dá um gradiente médio de 20 milímetros por quilômetro. Daí que sua velocidade média seja só de 2,5 km por hora.
No caminho, o imenso rio e seus mais de 7 mil afluentes tornam-se a comida, a estrada, a morada, o modo de vida de milhões de pessoas que habitam a sua bacia de 5.846.100 km2, a mais vasta do mundo.
A Colômbia chama precipitadamente de Rio Amazonas (que dá nome ao Departamento pelo qual ele passa, demarcando a fronteira do país com o Peru e o Brasil) o que, ao entrar no Brasil, torna-se apenas um braço do Amazonas brasileiro: o Solimões. Só a 1.620 km dali – 10 km depois de Manaus – é que o Solimões ganha o nome de Amazonas, ao se encontrar com o Rio Negro.
Não sem relutância. A água fria e esbranquiçada do moroso Solimões, repleta de sedimentos que seus afluentes vêm trazendo desde os Andes, e que aumentam com as inúmeras várzeas que nele submergem, leva 6 km para começar a se misturar à do Negro, ácido, quente, veloz e bem mais raso (30 a 35 metros de profundidade, enquanto o Solimões chega a 80).
De Manaus a Belém, converte-se na mais importante hidrovia do Brasil, com 62% da carga transportada no País. Por seus 1.650 km escoam os produtos da Zona Franca e chegam os seus componentes, os grãos do Rio Madeira e a bauxita do Trombetas, além do abastecimento de toda a região. Com 30 a 40 metros de profundidade, o rio é navegável todo o ano, por navios grandes.
De uma margem não se vê a outra. Com exceção do estuário (onde deságua no mar), seu trecho mais largo fica perto da boca do Rio Xingu, com 13 km. Mas, durante as cheias, quando sobe até 13 metros, sua largura pode superar 50 km.
A vazão do Amazonas foi calculada em junho de 1963 pelo U.S. Geological Survey em 216.342 metros cúbicos por segundo. O cálculo foi feito na altura de Óbidos (PA), onde ele atravessa sua mais estreita “garganta”, com 2.600 metros de largura. Abaixo dessa cidade, ele ainda recebe a água de afluentes importantes, como o Tapajós, o Xingu, o Pará e o Jari.
Em 1500, o navegador espanhol Vicente Pinzón, considerado o seu descobridor, chamou-o de Mar Dulce, antes de seu compatriota Francisco Orellana associá-lo ao mito grego das amazonas.
Ao chegar ao Atlântico, o Rio Amazonas enfrenta-o como se acreditasse ser mesmo um “mar grande”, abrindo-se numa foz de 320 km de largura. Lança no oceano o equivalente a 11% de toda a massa de águas continentais do mundo. Suas águas doces e barrentas empurram violentamente as do mar por até 200 km, e esse encontro tumultuado forma vagalhões de até 5 metros de altura. Um terrível espetáculo, com um doce nome: pororoca, que quer dizer, simplesmente, “estrondo”.
(Texto de Lourival Sant’Anna, publicado originalmente no Estadão. Copyright: Estadão.)

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