Mulheres ianomâmis usam nos cestos fungo que a ciência desconhecia

Luiza Góes de Lima Yanomami e seus cestos Motorohima. Foto: Roberto Almeida/ISA

Muitas vezes, os conhecimentos dos indígenas se perdem no tempo de seus ancestrais. Outras vezes, são descobertas recentes. É o caso do fungo përɨsɨ, que mulheres ianomâmis encontraram na floresta na região de Maturacá, ao pé do Pico da Neblina, perto da fronteira entre Brasil e Venezuela.

Esse fio preto, brilhante e resistente, que pode chegar a um metro de comprimento, passou a dar um toque especial aos cestos trançados de cipó e às vezes pintados com urucum, a tinta vermelha natural da Amazônia. Mas exatamente por causa de seu brilho e resistente, ele não parecia natural. Parecia mais um plástico acrescentado ao artesanato, e por isso era desvalorizado nas feiras das cidades, onde as indígenas às vezes trocavam os cestos por um pouco de comida.

O fungo enganou até mesmo a cientista Noemia Kazue Ishikawa, que é uma etnomicóloga, especialista no uso dos fungos e seu impacto na cultura. “Eu mesma achei que fosse plástico”, confessou ela ao jornalista Roberto Almeida, do Instituto Socioambiental (ISA).

O fungo não estava entre os 140 mil catalogados pela ciência, apesar de ter sido mencionado em 2009 no livro Urihi A: A Terra-Floresta Yanomami, do antropólogo francês Bruce Albert e do etnobotânico britânico William Milliken, publicado pelo ISA. Até que, em 2017, duas mulheres ianomâmis, Floriza da Cruz Pinto Yanomami e Maria de Jesus Lima Yanomami, encontraram um “parente” dele na Reserva Florestal Adolpho Ducke, na periferia de Manaus (AM), onde o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) realiza estudos da floresta.

A Associação de Mulheres Yanomami Kumirãyõma enviou amostras do fungo para a Dra. Noemia, acompanhadas de uma carta, que dizia: “Por meio desta carta, solicitamos a colaboração de vocês na identificação das amostras coletadas durante a pesquisa. Também solicitamos que as amostras sejam devolvidas à nossa associação assim que a identificação for concluída”.
As análises de laboratório levaram então à identificação do fungo, como pertencente ao gênero Marasmius. Ele recebeu o nome Marasmius yanomami, em homenagem ao povo que o descobriu. “Foi assim que os dois universos, o ianomâmi e o acadêmico, se conectaram”, observou Marina Vieira, pesquisadora do ISA, que facilitou o contato entre as mulheres indígenas e os pesquisadores do Inpa.

Além da contribuição à ciência, o fato de o fungo ter sido identificado como um nobre produto da natureza também trouxe benefícios para as artesãs ianomâmis. Agora, ele não pode mais ser confundido com plástico, e tem a sua nobreza natural reconhecida pela ciência.

O reconhecimento foi parte de um processo de valorização dos cestos, a partir da criação da Associação das Mulheres Yanomami Kumirãyõma. O Departamento de Mulheres da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) ofereceu às associadas uma oficina para melhorar o acabamento dos cestos. A Foirn tem uma loja em São Gabriel da Cachoeira, chamada Wariró, que vende parte da produção.

Os especialistas calculam que existam 3,8 milhões de espécies de fungo no nosso planeta. Quantas delas estão na Amazônia? Quantas já são usadas pelos povos da floresta, e quantas estão à espera de serem descobertas, para se tornarem fontes de riqueza, beleza e autoestima?

Leia a reportagem completa do ISA e veja como adquirir os cestos

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