A sussuarana e eu

Sussuarana na Serra da Capivara, Piauí. Foto: Adriano Gambarini/1996

Adriano Gambarini

  Fica baixado não, que elas confunde cum bixo

Foi a única frase que aquele matuto piauiense falou, depois de horas ali, à espreita, esperando que aquela sussuarana saísse da moita em que estava intocada.

Minha vontade do clique certeiro era tanta, que coloquei o tripé quase na linha do chão. Queria fotografá-la na altura dos olhos; queria captar a força que só estes animais, topo de cadeia alimentar, possuem. Queria simples observar e me perder naquele olhar hipnótico. A teleobjetiva pesada, a pouca luz naquele grotão num final de tarde, a velocidade baixa, o filme ‘puxado’ 2 ½ pontos. Eu tinha que ficar parado.

Ela veio caminhando em nossa direção. Parou, olhou desconfiada para os lados. Eu simplesmente não a olhava senão pela lente, não queria perder nenhum movimento e ao mesmo tempo queria observar todos. Só admirar, na realidade. Só pertencer.

Quanto ao tempo, mais uma vez senhor de nós mesmos, não sei de que forma passou. Ficamos ali, olhando um para o outro, enquanto o matuto, em pé atrás de mim, respirava ofegante. E eu agachado, quase não emitia um som, quase não piscava. Meu dedo queria fotografar no instante decisivo, aquele eterno momento bressoniano que existia entre singelas 36 poses de um filme.

Deu mais alguns passos e eu pude dar o clique certeiro. A pata no ar. A cabeça baixa. O olhar penetrante.

Parou logo depois, perdeu a curiosidade e desceu para uma moita no meio da caatinga úmida entre os paredões de rocha. Como veio, foi embora, como todas as coisas na vida são. Fugazes e eternas. O paradoxo do momento vivido, o instante decisivo da imagem. O que fica sempre são as histórias traçadas em nossas memórias.  

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