Seo Maranhão

Seo Maranhão, no Garimpo Juruena, Mato Grosso. Foto: Adriano Gambarini

Adriano Gambarini
Nos últimos 20 anos, fiz inúmeras viagens à Amazônia. Conheci lugares em que não havia qualquer indício humano, sobrevoei horas de helicópteros e monomotores remendados, tive a oportunidade de vivenciar incríveis experiências. Outras, nem tanto.
E apesar de ter visto hectares e mais hectares de floresta queimada, com a fumaça denunciando brasas tardias e ameaçadoras, ou garimpeiros embriagados brigando com facões, uma das experiências mais marcantes foram os dias (e noites) em que permaneci no Garimpo Juruena.
Considerado um dos maiores garimpos já existentes na Amazônia, essa cidade-fantasma às margens do rio de mesmo nome chegou a abrigar 3 mil pessoas. Casas, ‘Banco do Garimpo’, bares e comércio tiveram seus tempos de glória, com famílias se mudando para lá em busca do sonho dourado. Hoje, o que restou foram alguns poucos personagens mal-encarados, moças-da-vida, e “Seo Maranhão”.
Eu o conheci no único comércio “oficial” ainda aberto. Uma porta com tela furada anti-mosquito (ou anti-malária, se preferirem esclarecimentos) denunciava a decadência. Entrei no ambiente escuro, paredes de madeira que há anos não via uma mão de tinta. No canto perto da janela, lá estava ele. Olhou-me sereno, o convite de me aproximar com apenas um gesto de cabeça. Lá estava ele, atrás de um balcão outrora coberto com um vigoroso feltro preto, e que agora rasgos no tecido expunham a madeira já podre.
Puxei uma conversa informal, olhei algumas poucas roupas mal dobradas nas prateleiras, cuidadosamente envelopadas com plástico. Lá estava ele e seu tesouro, sua memória dos tempos de riqueza comercial. Me contou sua trajetória, quando saiu há 30 anos do Maranhão em busca do ouro que faz tanta gente se perder no tempo e se iludir com uma riqueza que, no final das contas, não existe. Ou, se existe, é apenas para os poderosos. Me contou tudo que passou para chegar até ali, quantas malárias pegou, quantas voadeiras naufragou.
— Não tem família?
— Tenho, mas está lá no Maranhão…quando dá, mando um dinheiro para eles.
— Quantos filhos?
— Seis filhos, alguns netos que ainda não conheci, não me alembro mais quantos tenho. O comercio acabou aqui, vendo uma calça, quando muito, por mês. Me pagam em ouro. Mas se eu negocio o ouro aqui dentro, o que ganho mal dá para me manter.
— Porque não volta, então?
Foi quando senti o peso do silêncio. Um olhar nostálgico foi lançado para o vazio que nos separava. Naquele momento, Seo Maranhão mostrou que estava preso a um espaço-tempo inexistente. “Seo Dito do Armarinho” já não existia mais naquele garimpo, simplesmente porque já não existia mais garimpo. E “Seo Maranhão-sonhador-marido-e-pai” há muito deixara de existir lá pelas bandas a que um dia pertenceu.
Seo Maranhão de olhar sereno, mas perdido de si mesmo.
Mais um esquecido pelo mundo. 

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