Quando éramos drones 

Estação Ecológica Raso da Catarina, Bahia, 2006. Foto: Adriano Gambarini

Adriano Gambarini
Outro dia sobrevoei a Amazônia num monomotor. Alguns meses atrás, o Pantanal. Sempre me perguntam se não tenho medo disso. Confesso que não penso muito a respeito, e se penso, tento que não seja durante o voo! Já voei nos mais diferentes tipos de “coisas” que flutuam no céu, desde aviões gigantescos que cruzam oceanos até ultraleves suspeitos como o que, segundo os moradores da baiana Juazeiro no início da década de 90, tinha sido construído pelo dono do ferro-velho da cidade! Nos helicópteros também já fui assíduo. Daqueles turbinados do exército brasileiro aos diminutos no melhor estilo ‘Kinder Ovo’. E quem já voou de balão conhece o som do silêncio…
Confesso que me sinto mais confortável em aviões pequenos do que nos grandes. Tenho a sensação de que um monomotor, daqueles bem miúdos, pode pousar em qualquer campo ou estradinha no caso de uma pane. Eu sei, pode ser uma doce ilusão, mas não importa. Quando o assunto é voar pra fotografar, lá estou eu nos pequenos aeroportos, entrando em legítimos tecos-tecos, pedindo pro piloto tirar a porta do passageiro. Já cheguei ao cúmulo (hoje devo admitir) de, além da porta, pedir para tirar o banco do passageiro para que eu fosse deitado no piso do avião. Ou seja, sem porta, sem banco e, consequentemente, sem cinto!
Mas, com o advento dos drones, esta atividade está se extinguindo. O que é uma tristeza, principalmente porque na minha vida profissional meu maior prazer sempre foi acumular vivências. Sem contar que, estando lá em cima, sempre consegui ter uma outra perspectiva visual, enquadramentos, ângulos e um nível de detalhe na fotografia que os equipamentos remotos não dão. Assim como nunca usei uma armadilha fotográfica para fotografar um animal em vida livre, uma foto aérea sentindo o ar etéreo é como ter uma parcela mínima do que é ser uma ave. Liberdade absoluta.
A sensação de ver aquele mar de árvores amazônicas, o pulsar das lagoas pantaneiras, as escarpas altíssimas do desconhecido Raso da Catarina. Em outros cantos, a transparência de oceanos, a vastidão dos desertos, até mesmo o caos urbano e a retilinearidade dos prédios adquirem uma outra beleza quando vistos de cima. Porque tudo toma outra perspectiva quando efetivamente temos na nossa frente a dimensão e atemporalidade deste mundo sem distâncias. Apenas com aquela leve, sutil e graciosa curvatura da borda do horizonte a esvaecer nossa tão breve, mas muitas vezes grandiosa, existência.

1 responder
  1. Cecilia Helena Malzoni de Carvalho
    Cecilia Helena Malzoni de Carvalho says:

    Esse é o poeta das fotografias
    O fotógrafo poeta.
    E nós viajando entre o poeta e a fotografia no meio das experiências tão especiais por ele vividas e a nós transmitidas.🙏

    Responder

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