Guardiões dos pirarucus

Após a pesca nas redes, o pirarucu é rapidamente transportado por canoas no Rio Tapauá, no Amazonas, até chegar aos flutuantes, onde são limpos e depois congelados. Foto: Adriano Gambarini

Adriano Gambarini
Eles são conhecidos como o Povo das Águas, mas poderiam facilmente ser batizados como guardiões dos lagos, ou melhor, dos pirarucus. O povo indígena Paumari, da região do Rio Tapauá (estado do Amazonas), carrega na história a fama de serem exímios pescadores, principalmente dos gigantes das águas amazônicas.
Em pequenas canoas e com arpões de quatro metros de comprimento, ficavam horas estudando os hábitos do peixe, que tem o comportamento de boiar em intervalos definidos para suas respirações. Quando o peixe subia à superfície para respirar, o movimento do arpão era certeiro. Mas com o passar do tempo, o contato cada vez mais intenso com os brancos, os Paumari acabaram permitindo que pescadores profissionais com seus barcos pesqueiros entrassem nas dezenas de lagos que permeiam suas terras, causando um imenso impacto e declínio na população de pirarucus.
Com o apoio de uma das organizações indigenistas mais antigas do país, a Operação Amazônia Nativa (OPAN), através do Projeto Raízes, patrocinado pela Petrobras, os Paumari proibiram a pesca de comerciantes e pescadores em suas terras durante cinco anos, e fizeram vigilância para que não houvesse novas invasões. Abandonaram a velha tradição do arpão e começaram a usar enormes redes de pesca. O pirarucu tem o comportamento de, na época da cheia, sair dos rios e ir para os lagos que sazonalmente ficam comunicáveis. Permanecem ali, em época de reprodução e desova durante todo o tempo até a próxima cheia, quando retornam para os rios.
Nesse período de isolamento nos lagos, os Paumari atualmente trabalham com pesca sustentável, através do manejo da população do pirarucu naquele determinado ano e alternando a pesca em diferentes lagos. Isso possibilitou que o estoque de pirarucu aumentasse consideravelmente para contabilizarem, nos dias atuais, um aumento de mais de 600%, em 16 lagos monitorados. Estabeleceram um protocolo extremamente organizado de pesca, no qual todas as etapas, da retirada do peixe do lago, transporte, limpeza até o congelamento, são vistoriados e rigorosamente cronometrados. Isto fez com que o peixe manejado, conhecido como Pirarucu Selvagem, fosse aceito pelos grandes centros consumidores, como Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba, com o apoio ainda de alguns dos seus chefs da alta gastronomia.
Venho documentando o trabalho dos Paumari desde 2013. É fascinante ver os povos da floresta tomarem suas próprias tradições nas mãos, perceber o poder que carregam e o imenso valor disto. Não é de hoje, principalmente em países conscientes, que a valorização dessas redes de cadeias produtivas vem tomando força. É fundamental, para que o mundo moderno continue existindo, que saibamos a origem dos produtos que consumimos. De onde vem, quem está na ponta inicial dessa produção, qual é o beneficio estrutural e econômico para todos os envolvidos. Pensar coletivamente é a única forma de continuarmos existindo neste ainda maravilhoso planeta.

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