“Deus ajuda quem vara a madruga”

A curiosidade do macaco-da-noite num pequeno fragmento de mata no Maranhão. Foto: Adriano Gambarini

Adriano Gambarini
“Gamba, ouvi um Aotus ontem!”
Estava de costas quando escutei esta frase, que ecoou nos meus ouvidos com a emoção de alguém que descobre o mapa de um mítico tesouro. Era o Benhur, amigo biólogo que participava de uma expedição comigo em algum lugar esquecido entre o Maranhão e Piauí.
— Me leva lá? Minha resposta foi imediata.
— Gamba, são oito horas da noite! E eu não vi o bicho. Só escutei, ontem, num capão de mata a uns 400 km daqui! A chance de encontrar é quase zero!
— Pô, Benhur, é um Aotus!
Nem é preciso dizer que o convenci a sair de onde estávamos naquela hora, viajar aquele tanto, entrar no mato e procurar um pequeno e arisco macaco. E se tudo desse certo, ainda voltar na mesma noite para dar continuidade aos trabalhos da expedição! Sem contar que estávamos no Maranhão, onde a qualidade das estradas é semelhante à idoneidade de alguns políticos que vivem por lá.
Aotus é o nome científico do gênero que engloba algumas espécies pouco estudadas do macaco-da-noite, único primata brasileiro com hábitos noturnos. Vive solitário ou em pequenos grupos, e a dificuldade em encontrá-lo é justamente por ser muito tímido e… noturno! Mas lá fomos nós.
No meio da viagem, começou a chover. Um olha para o outro, sem falar nada, mas já pensando que seria uma barca furada. Lá pelas tantas paramos para abastecer quando de repente um policial nos abordou.
— Boa noite, precisamos solicitar sua viatura!
— Como? Perguntei àquela figura fardada, parecendo um personagem de noticiário sensacionalista.
— Estávamos na perseguição de um motoqueiro que atropelou uma mulher grávida, quando ao voltar já com o meliante à delegacia, nossa viatura quebrou. Solicitamos que vocês nos emprestem a caminhonete para o levarmos para averiguações.
Aquele diálogo era tão surreal que não poderia ser mentira. Fomos até o local da dita viatura quebrada (uma Parati velha) e lá estava outro policial com o dito-cujo. Acabamos por emprestar a caminhonete. Sabendo que o Aotus ficaria no meu sonho de fotógrafo com pé no ambientalismo e que, no fundo, queria mesmo era ver aquele macaco! Sentei no meio-fio em plena madrugada maranhense, sozinho, enquanto Benhur dava carona aos policiais e ao meliante. Nos dias seguintes, voltamos aos nossos afazeres biológicos e fotográficos da expedição, em lugares distintos, às margens do Rio Parnaíba.
Uma semana depois reencontrei o Benhur na única lanchonete de outro pequeno vilarejo.
— E aí, Benhur, vamos procurar o Aotus? Arrisquei…
— Sério, Gamba? Você está brincando, né?
— Ora, por que não? Só estamos a 450 quilômetros do capão de mata. Você vai lembrar onde era, tenho certeza! E veja pelo lado bom, agora são apenas 7 horas da noite. Com sorte, viajamos, encontramos o bicho, tiramos umas fotos e voltamos felizes! Sem nenhum outro meliante para nos atrapalhar!
Acho que descrevi aquela empreitada com tanta simplicidade, que lá fomos nós e aí está a foto para comprovar. Um bicho tranquilo, de uma docilidade ímpar no olhar. Como foi o encontro com o macaco? Simples. Entramos no capão em silêncio até ouvir sua vocalização. Encontramos com certa facilidade, já que era um pequeno fragmento de mata. Fiquei me perguntando como ele sobrevivia ali com tão poucos recursos. Observei mais do que fotografei. Percebi em seu olhar uma curiosidade recíproca, daquelas que pouco precisa para entender. Afinal, traçar histórias só depende até onde nossa curiosidade pela vida pode nos levar.

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