Cúmplice da luz

Caverna Planaltina, Brasil Novo, Pará. Foto: Adriano Gambarini

Adriano Gambarini

A escuridão é absoluta. O tempo dá o ar da graça quando se ouvem, na sutileza do silêncio, gotas caindo descompromissadas de um canudo cristalino de calcita. O que se vê é apenas o que a própria luz no capacete é capaz de iluminar, e nada mais importa para aquela imensidão desconcertante..

Tudo que é regido por seus domínios é superlativo, tanto na grandiosidade dos salões como nos microdetalhes de sua delicada vida. Algo como um universo fractal, a exemplificação do equilíbrio e que no final das contas é apenas um instante. Como uma gota que cai. Onde é necessário existir um enorme vazio para que algo aconteça, cristalize-se, lentamente. A personificação mais precisa da dinâmica permanente dos processos evolutivos no mundo.

De alguma forma foi isso que sempre busquei, e encontrei, em mais de duas décadas de envolvimento com uma atividade que se tornou mais do que a extensão de um estudo espeleológico, o ofício em documentar um mundo fantástico ou uma aventura de vida. Entrar numa caverna se tornou o encontro com a quietude. 

Onde os ouvidos experimentam o prazer de nada ouvir, e os pensamentos param de dominar a mente. Ali, naquela escuridão absoluta, nossos monstros e anjos internos convivem bem entre si; são apresentados, conhecem-se e se entendem. Onde a Terra se expressa de forma legível, e a língua falada pode ser escutada, e muitas vezes compreendida.

Mais do que encará-las como uma grande fronteira a ser explorada, ter prazer de rastejar por entres blocos gigantescos de calcário equilibrados sobre solos escorregadios, ou ainda decifrar cantos escondidos na penumbra, as cavernas sempre remetem à sensação de que somos parte de algo maior, às vezes incompreensível, mas sempre acolhedor.

A busca em retratar da melhor forma esses ambientes monumentais sempre foi proporcional à dedicação imposta, iluminando o desconhecido e fazendo jus ao que há de mais belo sob aquela escuridão. Afinal, qualquer que seja o destino do olhar, a caverna se mostrará magistralmente fantástica. O caminho da fotografia, percorri com a honra em compartilhar esse mundo à parte, com detalhes tão magníficos quanto misteriosos, onde a luz define a sombra e vice-versa. Aliás, foi justamente nas cavernas que aprendi os conceitos fotográficos de luz e sombra. 

E, percebendo a sombra, tornei-me cúmplice da luz.

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