A era da sustentabilidade

Cláudia Gaigher

ES o quê?
A pergunta solta me pegou de surpresa. Na conversa entre amigos de diferentes profissões, um deles me surpreendeu ao dizer que não entendia direito esse papo de ESG, sigla que significa Environment, Social e Governance em inglês, e define o tripé Ambiental, Social e Governança para empresas, gestores públicos, privados e pra todos nós.
O E de Environment é o Meio Ambiente, representa a relação com a natureza. Os impactos gerados pela atividade, a poluição, o uso dos recursos naturais, alteração de ambientes, ameaças à biodiversidade, emissão de gases de efeito estufa, contaminação de rios, solo, ar e por aí vai…
O S, do Social, trata da interação com as pessoas. Como aquela empresa e a atividade interferem ou impactam nas vidas das pessoas, como é a relação com os funcionários, se existe respeito aos direitos trabalhistas, à diversidade, se paga um salário justo, se o ambiente laboral traz boas condições de saúde, oportunidades de aperfeiçoamento, se a política de responsabilidade social se estende para os fornecedores e toda a cadeia produtiva até os clientes.
O G, de Governança, vai além dos outros dois, fala de como gerenciar. Cumprir as leis, combater a corrupção e ilegalidades financeiras, ambientais e ter transparência no processo produtivo do início ao fim. Criar sistemas internos de controle independentes que possam ser canais de apoio e controle das ações do grupo na construção de uma corporação sólida e responsável.
Parece utópico mas já é real em muitas corporações que buscam ser reconhecidas como ESG e ter os seus produtos cada vez mais valorizados.
Ainda no século 20 as corporações começaram a pensar nos impactos socioambientais das suas atividades. Intensificaram-se os alertas sobre a necessidade de implementação e modernização dos modelos de produção em diferentes segmentos. Os primeiros acordes desta sinfonia soaram do outro lado do mundo, na Itália, com a criação do “Clube de Roma” em 1968. Foi o primeiro passo para as gestões empresariais mudarem as suas visões e interações com o meio ambiente e a sociedade. Os anos de 1990 chegaram trazendo para o mercado financeiro os primeiros índices de ações socialmente sustentáveis. Os indicadores Domini 400 Social, o TBL e o 3BL, mais conhecidos como “Triple Bottom”, valorizavam as empresas que não se preocupavam apenas com os lucros, mas também com o bem-estar social e ambiental. Foi o início da monetização da sustentabilidade. Meta que hoje, mais do que nunca, norteia os executivos. Somente em 2004 foram formalizados os princípios das ESG, definindo o tripé Ambiental, Social e Governança para empresas e gestores públicos e privados.
Mais do que cumprir metas, ser sustentável é uma decisão. Uma escolha para transformar a nossa relação com a natureza, entendendo que somos apenas uma pequena parte do todo nesse imenso organismo chamado Planeta Terra. Quando as chuvas torrenciais soterram cidades, carregam vidas e destroem as famílias e os sonhos de milhares, quando os rios esturricados e assoreados nos mostram cicatrizes de ações humanas, quando ciclones, furacões, tempestades de poeira e incêndios fazem a vida real ser mais assustadora que os filmes de ficção, se torna ainda mais urgente falar e pôr em prática ações para o desenvolvimento sustentável e novos padrões de consumo, produção, a distribuição de renda, a conservação. Prosperidade hoje, é ter um meio ambiente equilibrado, um lugar seguro pra morar, acesso à água, alimento, educação, ter como pagar as contas, é tratar igualitariamente os funcionários como seres humanos e não como números.

Viviane Mansi, presidente da Fundação Toyota do Brasil (de boné e óculos escuros). Foto: Instituto Arara Azul

“A questão é que eu acho que durante muito tempo as organizações focaram demais em seus retornos financeiros, e a gente precisa olhar retorno de valor e não só retorno financeiro. Então a gente tem uma situação hoje mais positiva, primeiro que a gente tem uma nova geração entrando nas empresas, com mais sensibilidade sobre o que é um possível papel bacana que vai além do lucro. A segunda questão é que hoje a gente já sente mudanças sobre aquecimento global de maneira mais tangível, mais intensa.” É o que pensa Viviane Mansi, presidente da Fundação Toyota do Brasil e diretora regional de ESG e Comunicação da Toyota pra América Latina e Caribe.
Conheci Viviane numa expedição ao Pantanal para ver o andamento da reprodução das araras azuis. Era a segunda visita dela à região. Executiva e professora de ESG em diferentes instituições de ensino superior no Brasil me deu uma aula particular sobre o assunto quando eu perguntei quais são os caminhos do mercado e como as corporações estão se movimentando.
Primeira lição: ser ESG não pode ser só discurso ou o que o mercado chama de “greenwashing”. A tal “lavagem verde”, quando as empresas criam um projeto raso de ações e produtos só pra incluir a sustentabilidade como pilar, mas que na prática não aplicam e não mudam os seus processos. As mudanças precisam ser efetivas e contínuas. Nenhuma empresa ou pessoa é 100% sustentável nesse mundo onde os padrões de consumo e produção nos levaram a viver e consumir no modo automático, sem pensar na nossa pegada ecológica. Mas começou a mudar. “Eu cito exemplos que vão bem no meu dia a dia”, diz a CEO da Toyota. Eu sou paulistana, vivo em São Paulo e quando eu era criança eu brincava com vagalumes, nunca mais os vi. Eu faço aniversário no final de novembro, na minha infância, sempre garoava no meu aniversário, nunca mais houve garoa nesta época na terra da garoa. Antigamente a gente ia pra praia no litoral de sp e via conchinhas…não tem mais tanta concha e retirá-las do seu ambiente não é mais brincadeira de criança incentivada pelos pais. Então, na prática, quando a gente olha retrospectivamente, a gente vê que sim, as coisas estão mudando e a nossa responsabilidade é mudar esse curso também. Então hoje a gente junta gente mais nova na empresa, essa experiência acumulada das mudanças que são reais, uma melhor comunicação entre países inclusive pra que a gente perceba que isso não acontece em um micro território, que isso acontece em várias questões, ou seja, a gente começa a ter camadas e camadas de informação que nos empurrar a uma decisão melhor.”
Envolver-se em pesquisas de conservação, apoiar cientistas sérios também faz parte desse processo.
Antes mesmo de se falar nas ODS, os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estabelecidos pelas Nações Unidas em 2015, muitos proprietários de terras no Pantanal já praticavam intuitivamente algumas destas metas. Para quem não sabe, mais de 95% do Pantanal estão em fazendas privadas que durante mais de 230 anos se adaptaram ao sobe e desce das águas tendo como principal atividade a pecuária extensiva. O projeto Arara Azul tem a sua base de pesquisa na Fazenda Caiman, no Pantanal em Miranda, Mato Grosso do Sul. O proprietário, o empresário Roberto Klabin, foi quem convidou Neiva e ofereceu a ela a estrutura para instalar a base de campo.
Olhar de vanguarda do empresário ao praticar nos anos de 1990 o que hoje é tendência mundial. Foi pioneiro no ecoturismo no Pantanal criando o hotel há 35 anos. Abriu as porteiras da fazenda para visitantes e criou um sistema de guias em que os pantaneiros nascidos na propriedade eram treinados e guiavam os turistas junto com os biólogos, veterinários, ecólogos contratados como guias de campo. O exemplo prático de como viabilizar a inclusão, dar oportunidades e gerar prosperidade para todos, virou modelo seguido hoje por muitas fazendas pantaneiras de ecoturismo. “Tem a questão das mulheres que a gente passou a dar emprego na medida em que a gente criou um hotel. Até então não havia emprego pra mulher em fazenda a não ser de cozinheiras. As mulheres tem mais destaque nesses empregos na hotelaria, as famílias que ganham mais destaque pra isso, porque hoje a mulher trabalha, o marido trabalha, os filhos podem trabalhar então você tem na fazenda mais possibilidades nesses três projetos: trabalha na fazenda, no hotel, na pecuária, nos projetos de conservação e você tem muitas oportunidades. Do ponto de vista de diversidade, mobilidade, a Caiman tem bastante disso.”
Mas o amor pela natureza e a preocupação com os rumos que o Pantanal estava tomando, levou Klabin a criar uma imensa reserva. “Com a criação da RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural) eu passei a conviver com bastantes cientistas, junto com eles eu comecei a ver que a Caiman teria que ser um tripé, baseado em pecuária, ciência, projeto de restauração e turismo, e que isso seria o resultado natural de tudo que eu estaria fazendo.”, conta Klabin. “A Caiman pra mim é uma experiência, agora por exemplo, eu estou fazendo um projeto da biodiversidade com o Instituto Life. É muito interessante porque o Pantanal tem muito mais condições de conseguir créditos de biodiversidade do que crédito de carbono, o de biodiversidade incrementa o valor do crédito de carbono. São coisas que o Pantanal, em termos de biodiversidade, é imbatível. Sou o primeiro no Pantanal a fazer esse tipo de trabalho onde a gente vai efetivamente desenvolver todo o arcabouço, pra depois sermos auditados pra receber essa condição e concorrer a pagamentos por serviços ambientais e créditos de biodiversidade.”
Olhar a natureza conservada como um ativo econômico e social é essencial para quem quer conquistar mercado em um mundo que caminha para ter gerações mais sustentáveis. Klabin revela os seus próximos passos. ‘Veio o Arara Azul, depois o Onçafari, e agora dentro do Onçafari o projeto de antas, e no futuro eu vou convidar outros projetos, porque o que eu quero é que a Caiman de fato se torne esse lugar assim, e pra tanto, eu estou preparando o nosso legado, da minha esposa e meu. Criamos um Instituto que se chama Imark, Instituto Mariângela e Roberto Klabin, já separamos um pedaço da propriedade que nós vamos doar para esse instituto. A Caiman tem hoje 53 mil hectares, e a gente pretende doar aproximadamente 17 mil para a composição desse legado. Embora tudo esteja conectado na propriedade, essas terras passarão a pertencer ao instituto, e a nossa pretensão é que ele sobreviva a nossa morte e que, mesmo que os filhos e netos queiram vender a Caiman, esse lugar não poderá ser atingido mais por qualquer mudança de objetivo. Então, a ideia é também levar pra reserva do Imark todo esses projetos de pesquisa e buscar recursos para que eles possam se auto sustentar.”
O pantaneiro é um conservacionista em sua essência, graças a eles temos ainda hoje ambientes bem preservados no Pantanal.
No século 21 muitas fazendas no Pantanal e Cerrado trocaram de mãos, se tornaram empresas de agropecuária e a conservação se tornou mais urgente porque o modelo pantaneiro de gestão nem sempre foi mantido.

A bióloga Neiva Guedes, no início do projeto Arara Azul. Foto: Arquivo pessoal

A cientista Neiva Guedes do Instituto Arara Azul viu as transformações no Pantanal acontecerem. No final dos anos 80 durante uma visita ao Pantanal ela se encantou com as araras-azuis avistadas em fazendas pantaneiras conservadas e decidiu estudar essa espécie para que não desaparecesse como outros que já não mais existiam. Os estudos começaram em 1990 na região central do Pantanal, na fazenda Caiman, e virou fonte de inspiração e pesquisa de vida.
Mas como percorrer tantos quilômetros pelas propriedades e entrar em fazendas particulares para observar e estudar as Araras-Azuis? De carona e pedindo autorização aos proprietários para entrar em suas terras. Foi assim que Neiva começou.
A velha Toyota Bandeirante foi o primeiro carro, o apoio da montadora veio em forma de prestação de serviços.: “Um engenheiro que ouviu sobre a minha necessidade de um carro para percorrer as estradas pantaneiras, convenceu o chefe a ceder um veículo à título de teste no Pantanal, enquanto eu realizava a pesquisa. Foi um período de bastante aprendizado e muitas conquistas, viajávamos pelas fazendas em busca das araras. Os pantaneiros sempre foram muito hospitaleiros e nos deixaram entrar em suas terras. Eu escrevia para a Toyota relatórios detalhados sobre a performance da Toyota Bandeirante nas estradas de terra e alagados pantaneiros. Assim começou a nossa história de parceria, que durou 11 anos até a velha Toyota Bandeirante ser trocada por duas caminhonetes modelo Hilux”, conta Neiva Guedes, se divertindo ao lembrar do começo da sua trajetória como cientista no Pantanal.
A montadora viu potencial nesta dobradinha, e lá se vão 33 anos de parceria. Neiva Guedes reconhece que ter parceiros na iniciativa privada é fundamental para manter vivo o projeto.
A base de campo na fazenda Caiman, no Pantanal de Miranda em Mato Grosso do Sul é um ponto azul com janelas amarelas no meio do verde, foi recém reformada pelo proprietário da fazenda, Roberto Klabin, outro parceiro que há mais de duas décadas apoia o Projeto de Pesquisa da Arara Azul. A base tem quartos para as equipes femininas e masculinas de biólogos, médicos veterinários, assistentes, sala, cozinha, sala de estar, garagens e ainda outro complexo onde será aberto um centro de visitação e laboratórios para as pesquisadoras. Em contrapartida, as cientistas, recebem os visitantes, dão palestras, acolhem quem queira acompanhar os monitoramentos e fazem a informação girar pelo mundo.
Sentadas no refeitório telado, com vista para o campo, eu e a Viviane Mansi, conversávamos sobre o papel da iniciativa privada na conservação das espécies e nas pesquisas científicas. Ouvi da CEO o por quê dessa parceria tão longeva com projeto Arara Azul no coração do Brasil. “Primeiro o compromisso de longo prazo, os projetos são renovados em um curto espaço de tempo e a gente continua vendo compromisso, maturidade de pesquisa, compromisso com pesquisa científica, com treinar e criar outras pessoas que possam ser pesquisadores da estatura da Neiva no futuro, e muita musculatura pra fazer isso com atenção à comunidade, buscando parceiros e outros investimentos.”
Sabemos que a emissão de gases de efeito estufa contribuiu e ainda contribui para as mudanças no clima do planeta, então como uma das maiores empresas de veículos do mundo investe em sustentabilidade? Viviane sorri e com olhos brilhando respondeu: “Há 30 anos a Toyota colocava no mercado o seu primeiro carro eletrificado, a gente iniciar a parceria com o Arara Azul no Brasil foi quase uma coincidência, se é que existem coincidências… A Toyota já vendeu no mundo 22 milhões de carros eletrificados, dos quais 19 milhões são carros híbridos. Quando a gente pega a situação do Brasil, onde a gente tem a sorte de ter etanol, um carro híbrido flex, que é uma característica especial do mercado brasileiro, um carro que tem os dois motores, o motor elétrico que responde pelo hibrido e o motor flex que pode ser abastecido com etanol, ele já emite 70% menos de carbono do que um carro convencional a gasolina. Isso é muito significativo, eu posso dizer que uma preocupação genuína da Toyota é a gente ter o princípio da ESG dentro de casa.”
Ela que também é uma das maiores especialistas em ESG do Brasil, disse como o momento econômico mundial e as empresas precisam se atentar pra isso. “Quando eu penso no papel das empresas hoje eu gosto de olhar por múltiplos ângulos: o primeiro deles é que por traz de um nome fantasia tem uma razão social. A gente não pode esquecer que uma questão importante das atividades das empresas é criar boa qualidade de emprego, é distribuir valor, eu não tenho uma visão de que lucro não é importante. O lucro é importante até porque permite que as empresas compartilhem mais valores, se em algum momento essa fonte de recurso cessa, cessa todo o resto também, e isso não é positivo. A questão é que eu acho que durante muito tempo as organizações focaram demais em seus retornos financeiros, e a gente precisa olhar retorno de valor e não só retorno financeiro.”
Ouvimos o arrulhar de um casal de araras como um chamado. Deixamos a base para seguir acompanhando o monitoramento dos filhotes. Nos juntamos a um grupo de jornalistas ingleses que estava fazendo uma reportagem sobre o turismo de experiência no Brasil. Paramos num capão, como são chamadas as porções de mata mais fechadas no Pantanal e ao longe, avistamos um casal de araras azuis comendo côcos de Acuri. As biólogas desceram do carro e nos chamaram para acompanhar mais uma escalada no imenso Manduvi, árvore nativa pantaneira preferida pelas araras azuis pra fazer os seus ninhos. Lá em cima, João Marcelo Rezende, estagiário e biológo retira do ninho um filhotinho, ainda pelado, com apenas alguns pontos pretos na pele indicando que logo a plumagem vai surgir. Protegido dentro de um saco de pano, o bebê arara é colocado em um balde amarrado à uma corda. É entregue para outra bióloga que espera embaixo da árvore. Diante de todos e explicando em inglês fluente, Kefany Ramalho pesa o filhote e mostra a pequena cicatriz na coxa da ararinha. O ponto vermelho é onde estava um berne, um parasita que ataca os filhotes no ninho e que, se não for retirado, pode levá-los a morte. Kefany Ramalho, responsável pelo monitoramento e cuidados foi quem atendeu o filhote. “Nesta situação em que aparecem os bernes nos filhotes, a gente vem com mais frequência. A gente veio e retirou um, voltamos e tinha outro, retiramos, e agora uma semana depois, a gente vê que cicatrizou. A gente passou antisséptico e ele está super bem.”
Ele resistiu ao ataque e estava se recuperando muito bem depois dessa microcirurgia para a retirada das larvas. As pesquisadoras sorriam orgulhosas ao ver a cicatrização perfeita. Monitorar arara não é só contar quantos casais estão botando ovos, quantos filhotes voam dos ninhos ao final do período reprodutivo, é fazer parte desse esforço. Cuidar, visitar, pesar, checar o desenvolvimento, tipo aqueles agentes comunitários de saúde que percorrem os bairros visitando as famílias… As equipes percorrem milhares de quilômetros no meio do Pantanal e do Cerrado para visitar os ninhos de araras azuis.
Eu me vi sorrindo silenciosamente observando uma das mais importantes executivas do setor automotivo da América Latina e uma das maiores autoridades em comunicação e ESG do Brasil se deliciando com a visita ao Projeto Arara Azul, enfrentando o calor, os mosquitos, o ambiente fora da sua rotina. É coisa de oriental: explico. Essas visitas aos projetos apoiados pela empresa japonesa fazem parte de um princípio conhecido como “genchi genbutsu”, que em japonês significa ir ver com os próprios olhos. Uma prática que os executivos da Toyota sempre adotam por acreditar na importância de conhecer, na oportunidade de ver os detalhes do trabalho e dar apoio. Até o príncipe da família imperial japonesa visitou o Pantanal pra conhecer as Araras Azuis. A visibilidade e o respeito dessa pesquisa tão longeva atraem os olhos do mundo.
Em outubro de 2015, como parte das comemorações dos 120 anos do tratado que estabeleceu relações de amizade e diplomáticas entre o Brasil e o Japão, o príncipe japonês Akishino, na época o segundo na linha de sucessão ao trono Japonês, visitou o Pantanal com a sua esposa, princesa Kiko. Eles foram recebidos pelo empresário Roberto Klabin e a bióloga e presidente do Instituto Arara Azul, Neiva Guedes. A família imperial japonesa é muito respeitada e tem grande importância para os japoneses. Alguns protocolos rigorosos são obrigatórios quando algum integrante da família imperial está presente. Mas o príncipe, que também é biólogo, se encantou ao ver os ninhos, as araras azuis e nem se importou com algumas quebras de protocolo para registros de fotos e sorrisos durante essa vivência pantaneira.

Príncipe Akishino, princesa Kiko, Roberto Klabin e a equipe do projeto. Foto: Projeto Arara Azul

Neiva Guedes também foi recebida por outros integrantes de famílias reais mundo a fora. Recebeu a Comenda de Cavaleiro da Arca Dourada das mãos do príncipe Bernhard da Holanda em 2002 na mesma viagem também foi convidada para uma conversa com o Príncipe Philip, Duque de Edimburgo e consorte da Rainha Elizabeth II. A brasileira foi convidada de honra e no Palácio de Buckingham na Inglaterra para falar da sua pesquisa e dos avanços na conservação das araras azuis.
Ao longo de décadas de pesquisa a cientista brasileira já recebeu muita gente no Pantanal, de integrantes de famílias reais, a empresários, turistas, moradores locais, alunos de diferentes instituições de educação. Cada visitante é tratado com o mesmo carinho e recebe atenção e informações das equipes. “Comunicar faz parte do caminho para conservar, a gente conquista corações e multiplicadores. Naturalmente vem as parcerias com pessoas físicas e empresas, isso tem nos permitido investir e aprofundar os estudos.” Disse Neiva.
Na era da informação compartilhada em tempo real, a CEO com celular nas mãos grava cada detalhe das explicações e se encanta com cada filhote retirado do ninho para monitoramento. As pesquisadoras estavam examinando um recém nascido, com menos de um mês de vida. Ainda sem penas e com o papo não muito cheio, o filhote quietinho se aninhou nas mãos de Neiva Guedes. “Quem não sentiu o cheiro de arara, agora é hora. É o perfume da natureza. Vocês não podem tocar o filhote mas podem sentir o seu perfume.” Com esse anúncio Neiva revelou a todos que quando pequenas, as Araras Azuis tem cheirinho de leite de coco. Uma fofura!
Olhar a natureza conservada como um ativo econômico e social é essencial para quem quer conquistar mercado em um mundo que caminha para ter gerações mais sustentáveis. Nas empresas, implementar processos produtivos e uma gestão ESG é necessário pra se manter vivo nas disputas. Empresas que investem de fato em práticas sustentáveis passam confiança e fidelizam os seus consumidores. Nem sempre o produto é o que está sendo vendido, mas os valores, que são tão ou mais rentáveis em termos de conquista de mercado.
A parceria da Toyota e da Fundação Toyota do Brasil com o Instituto Arara Azul reverbera além das fronteiras e dos continentes. Eles foram os primeiros e hoje são muitas empresas e parceiros que apoiam o projeto, entre eles o Zoo de Zurich-WCS, Loro Parque Fundación.
Otacílio do Nascimento Gerente de Comunicação da Toyota do Brasil e Diretor Executivo da Fundação Toyota do Brasil é um brasileiro que teve a oportunidades de crescimento profissional na empresa onde trabalha há 20 anos, é o exemplo de como o G da sigla ESG funciona na prática. Ele teve chances dentro da corporação e foi valorizado como pessoa e profissional. Diz que “é prazeroso se fazer o que gosta, e estar no Pantanal acompanhando o monitoramento da reprodução das araras azuis é contagiante porque as equipes trabalham com brilho nos olhos e com a mesma disposição de sempre.” Quem conhece o projeto Arara Azul se torna multiplicador seja na prática científica, nas melhorias sociais ou na divulgação. “É bonito de ver quantas pessoas que passaram por esse projeto e hoje estão na academia, nas universidades, falando de políticas públicas, usando os exemplos do Projeto Arara Azul. É muito gratificante, e eu me sinto orgulhoso de falar nos fóruns e eventos sobre a nossa parceria com essa pesquisa. Em 2013 a gente ajudou na construção de um Centro de Sustentabilidade que hoje é a sede do Instituto Arara Azul em Campo Grande e um lugar de divulgação e educação ambiental.”
É um espiral de prosperidade criando uma rede de conservação. O Instituto Arara Azul abre as portas para treinamento de novos pesquisadores, compartilha o conhecimento adquirido ao longo das décadas e não se restringe aos limites pantaneiros. Querem que o sucesso na conservação alce vôos. O médico veterinário Andrés Álvares da ONG One Earth Conservation me perguntou em nosso encontro: “Eu queria saber como o Instituto Arara Azul consegue fazer o mundo se interessar pela conservação das araras. Qual o segredo?” Dedicação, perseverança, seriedade e parcerias com a comunidade local, empresários, governos e empresas, foi a resposta da cientista Neiva Guedes. Ele e a também veterinária Pamela Segovia se juntaram a bióloga Naiara Valle e a engenheira ambiental Sara Sales do Instituto Ecos de Gaia que atua no Maranhão. As duplas vieram para um curso de imersão promovido pelo Instituto Arara Azul. Acompanharam os trabalhos das pesquisadoras do Projeto Aves Urbanas, que monitora Araras Canindé em Campo Grande e viajaram para o Pantanal para encontrar a equipe do Projeto Arara Azul. Aprenderam os protocolos de monitoramento, confecção e instalação de ninhos artificiais, coleta de amostras, marcação dos filhotes, registro de dados. Se hospedaram na base de campo pantaneira e puderam pôr em prática os ensinamentos pra também levar e implantar em seus locais de pesquisa e conservação.

O empresário Roberto Klabin. Foto: Arquivo pessoal

Naiara e Sara trabalham na região maranhense incluída no MATOPIBA, área nos estados do Maranhão, Tocantins, Piaui e Bahia onde o avanço das lavouras de soja tem ano a ano reduzido áreas de cerrado e colocado em risco a fauna e flora nativas. Naiara coordena o programa de monitoramento de fauna e relações institucionais da Ecos de Gaia. Ela disse que já identificaram casais de araras em alguns locais e o aprendizado com a equipe do Instituto Arara Azul está ajudando a traçar estratégias de envolvimento da comunidade local e das autoridades para proteger as araras, e criar um sistema de trabalho onde produção e conservação possam caminhar juntas. “Eu agradeço o convite da dra Neiva Guedes pela capacitação e oportunidade de levar e aplicar esse conhecimento na conservação em nosso estado de origem. Tudo que vimos aqui nos dá força para seguir e acreditar que é possível.”
Mais dois ‘filhotes’ da pesquisa pantaneira que voam pelo mundo replicando a conservação e o conhecimento. “Quando a gente olha o Instituto Arara Azul e o trabalho que ele faz hoje, a educação está na essência desse projeto. Quando a gente fala de pesquisa científica, quando a gente fala de envolver estudantes, em pegar esse conteúdo e levar para as escolas a gente está contribuindo e muito pra educação ambiental que vai muito além da temática da preservação da espécie Arara Azul. Nosso compromisso é promover boas práticas para cidades sustentáveis. Todos os esforços têm de ser feitos agora, não temos mais tempo para esperar. Por isso é importante entender os objetivos das ODS com as nossas causas pessoais e com as nossas causas na empresa.” Viviane Mansi resumiu bem o princípio das diretrizes de sustentabilidade da ONU tendo o Projeto Arara Azul e a parceria da Toyota como exemplo.
“Quando aumenta o engajamento das pessoas e das empresas se ampliam as redes de apoio. A temática do ESG tem de seguir o fazer, o envolver, o apoiar, o colocar em prática e aproximara quanto mais empresas e pessoas que pudermos para juntos alcançarmos outros projetos, investir em outras iniciativas e ampliar ainda mais os resultados.” Acrescentou Otacílio do Nascimento.
Implementar os princípios ESG também traz retorno financeiro. Uma análise feita pela Bloomberg Intelligence Head de ESG mostrou que os ativos ESG globais podem ultrapassar US$ 53 trilhões até 2025. É muito dinheiro. Mas como a conservação pode ser um ativo e gerar recursos?
Do surgimento dos primeiros títulos valorizando ações sustentáveis até a consolidação dos princípios ESG foi um longo caminho. Hoje os fundos de investimentos e instituições financiadoras no mundo valorizam e até classificam os títulos verdes. A ICMA (International Capital Markes Association) classificou modalidades de investimentos ESG: títulos verdes, títulos sociais, títulos sustentáveis e títulos que são atrelados às ações de sustentabilidade, conhecidos na linguagem dos investidores com SLB (Sustainable-linked bonds). Cada título tem uma característica, vai desde o controle de desempenho do uso dos recursos com definição prévia de aplicação, controle pelo alcance de metas sustentáveis estabelecidas pelas empresas, até os títulos daquelas empresas que ainda estão começando a trilhar o caminho da sustentabilidade. O mercado financeiro mede o desempenho dessas empresas ESG e os investidores acompanham cada evolução desses índices. A Bolsa de Valores do Brasil também tem índices de sustentabilidade que monitoram o desempenho das empresas e podem auxiliar os investidores na escolha de empresas que praticam ESG.
A presidente da Fundação Toyota fala que parcerias de longo prazo são importantes para a consolidação do modelo de sustentabilidade. “A longevidade pra nós é importante porque ela ajuda a criar maturidade no conhecimento, porque quando você está sempre no mesmo passo ou fazendo projetos que você só coloca dinheiro e não tá tão perto, você não tem transformação ou ela é mais difícil. Quando eu assumi a presidência da Fundação Toyota, eu fiz uma reavaliação dos meus próprios hábitos, diminui o plástico de um uso só, eu tenho composteira na minha casa, eu diminuí sensivelmente o número de coisas que eu compro. A gente vai mudando. É possível fazer essa mudança de habito também no individual, não é só no corporativo, não só o do outro, é o nosso, porque a gente vem com camadas de conhecimento. Então, o que poderíamos falar do nosso aprendizado, é: faça poucos projetos mas esteja perto deles, acompanhe num longo período de tempo porque isso é a forma que a gente tem de objetivamente se vincular. O vínculo é importante pra que a gente tenha uma outra relação com as coisas, a gente vem de uma sociedade que ainda é forte a questão do ter.”
Muitos no mundo já perceberam que o conceito de sucesso e prosperidade não coloca o acúmulo de cifrões como objetivo principal, mas o legado é hoje o maior de todos os investimentos. A natureza e o Planeta agradecem.

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