Tenso e poético, “O Território” é síntese dos problemas da Amazônia 

Marcello Queiroz

Criminoso e ensurdecedor, o barulho da motosserra perturba a floresta. O incômodo aumenta com outro som que também não deveria pertencer ao lugar — o de motocicletas pilotadas por incendiários. 

Queimadas surgem, grileiros aparecem, invasores tomam conta. Os Uru-Eu-Wau-Wau também.

Paralelamente, meninos tomam banho de rio, formigas carregam folhas de forma bem serena e há ainda borboletas amarelas.

Tenso e ao mesmo tempo poético, o documentário “O Território” estreou no Brasil nessa segunda-feira, 5 de setembro, Dia da Amazônia. 

Coincidentemente, o filme dirigido por Alex Pritz chega às telas de cinema exatamente em um momento bem crítico sobre os diversos problemas do maior bioma brasileiro e da reserva de maior biodiversidade do mundo, entre eles os consecutivos recordes de queimadas. Só nos primeiros dias deste mês, o volume de focos de incêndio na Amazônia supera o registrado em todo o setembro do ano passado.

“O Território” aborda o problema das queimadas, mas vai direto a um ponto repleto de conflitos que é o tema das invasões de terras indígenas, mais precisamente as do território dos Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia. Na narrativa marcada pela tensão em torno das invasões e do desrespeito às leis ambientais, o filme consegue ressaltar as belezas da floresta, a cultura e o forte espírito de resistência dos indígenas, tornando-se uma síntese da realidade da Amazônia

Com 16 prêmios internacionais, entre eles o Prêmio do Público e Prêmio Especial do Júri do Festival Sundance de Cinema nos Estados Unidos, “O Território” foi produzido por Oscar Darren Aronofsky, Sigrid Dyekjaer, Will Miller, Lizzie Gellett e pelo brasileiro Gabriel Uchida, com produção executiva da ativista Txai Suruí e coprodução dos índios Uru-Eu-Wau-Wau.

O filme ganhou sessões especiais em homenagem ao Dia da Amazônia em 15 cidades brasileiras, incluindo São Paulo, onde acontece a mostra “Amazônia: Passado, Presente e Futuro”, organizada pelo CineSesc e a O2 Filmes. 

“O Território” também será exibido em outras cidades brasileiras a partir desta quinta-feira (8). Internacionalmente, além dos prêmios em festivais, o filme teve pré-estreias em Londres e Nova York, na semana passada, e também poderá ser visto em outras cidades dos Estados Unidos e Reino Unido, além de França, Alemanha e outros países da Europa.

O filme, segundo o produtor Will Miller, teve investimento total de US$ 1 milhão. O documentário está sendo traduzido para um total de 40 idiomas e ainda neste mês será lançado na  Austrália e Nova Zelândia.

A ambientalista e ativista indígena Ivaneide Cardozo, mais conhecida como Neidinha, no documentário “O Território”. Foto: Alex Pritz/Amazon Land Documentary

Retrato do Brasil

“O filme é um retrato do que acontece no Brasil inteiro. Estão matando os indígenas, estão matando os ativistas… Mostrar isso no Dia da Amazônia é muito importante”, disse Ivaneide Cardozo, mais conhecida como Neidinha, no dia da estreia em São Paulo.

Neidinha, mãe da ativista Txai Suruí, também é ativista indígena, ambientalista e presidente da  Associação Kanindé. Ela é uma das principais participantes de “O Território”, que relata um período específico da vida dela — a partir de outubro de 2018 até o final do ano passado — apoiando o monitoramento das terras dos Uru-Eu-Wau-Wau.

O trabalho do grupo de monitoramento, formado há mais de 20 anos, é liderado por Bitaté, um jovem do povo Jupaú, o nome original dos Uru-Eu-Wau-Wau.

Bitaté é a figura central do documentário “O Território”. Com drones, câmeras, rádio e outras tecnologias de registro audiovisual, ele comanda um grupo de vigilantes do seu território. Ao Earth News Terra, ele contou que o monitoramento vem sendo “estrategicamente fortalecido” com integrantes mais jovens e com a participação de mulheres. “Agora mesmo, enquanto estou em viagem, é uma mulher que está no comando do monitoramento”, ele diz.

Bitaté conta também que a experiência do documentário é um “processo muito inovador” e que será “muito importante” para as atividades do centro de mídia que está sendo implantando nas terras dos Uru-Eu-Wau-Wau. “O centro de mídia no nosso território vai mostrar para as gerações futuras a importância de registrar a realidade e o nosso monitoramento faz parte da proteção dos nossos povos, evitando que invasões aconteçam, evitando desmatamentos e garimpos, e protegendo os povos isolados que vivem no território”, diz o líder Jupaú, nome que significa, segundo ele, “povo guerreiro e resistente” (literalmente, Jupaú quer dizer “os que usam jenipapo”, uma marca da cultura desse povo, que os deixa com a boca preta).

Bitaté, o jovem líder dos povos Uru-Eu-Wau-Wau em cena do filme “O Território”. Foto: Alex Pritz/Amazon Land Documentary

“Impedindo a queda do céu”

Para Txai Suruí, que desde criança acompanha os conflitos de invasão das terras indígenas, o lançamento de “O Território” acontece em um “momento muito sério”. “O Brasil nunca foi um  lugar fácil para os indígenas viverem, mas agora estamos passando por um dos piores momentos pois as leis e os órgãos ambientais estão enfraquecidos. A gente tem de ir na contramão disso, que é fortalecer nossas leis pois inclusive estamos sendo atacados pelo legislativo com o PL 490, por exemplo, que quer acabar com a demarcação dos nossos territórios, e o PL 191, que quer permitir mineração dentro dos territórios indígenas”, diz Txai.

Txai afirma ainda que a “Amazônia é uma causa global que vem sendo sustentada pelos povos indígenas”. “Nós somos 5% da população mundial e protegemos 80% de toda a biodiversidade do mundo, ou seja, somos nós que mantemos a floresta de pé e que estamos adiando o fim do mundo, como diria Krenak. Ou, como diria Kopenawa, é a gente que está impedindo a queda do céu”, declara a ativista, referindo-se ao indigenista, filósofo e escritor Ailton Krenak e a Davi Kopenawa, escritor e líder yanomami. 

Veja abaixo o trailer de “O Território”

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