Indígenas Arara publicam regras de aproximação das aldeias

Capas dos protocolos de consultas dos araras. Foto: Reprodução

Você já pensou sobre as regras que alguém deve seguir para se aproximar de você, para lhe propor algo? Talvez essas regras estejam implícitas na sua vida. Talvez você tenha tido que pensar sobre elas e até lutar por elas. Talvez você nunca tenha sido ameaçada ou ameaçado. Talvez tenha. Essas questões se tornam mais críticas quando você pertence a um povo cujas terras, vitais para esse povo, tenham sido alvo da cobiça de grupos mais fortes, pertencentes a outra cultura.

É o caso dos indígenas Arara das terras indígenas Cachoeira Seca e Arara, no Pará. O território em que eles viviam passou a ser sistematicamente invadido por madeireiros e outros exploradores a partir da construção da Rodovia Transamazônica, nas décadas de 70 e 80. Desde então, eles têm tido de pensar sobre como deve ser feito o contato com pessoas de fora. Aprenderam, por exemplo, que quando representantes do governo ou de empresas se aproximam para lhes propor algo, eles precisam se informar, preparar-se antes, organizar-se para essas conversas, caso contrário, aceitam ofertas ou imposições que mais tarde se provarão destrutivas para eles.

Foi com base nesses traumas vividos ao longo de décadas que os araras decidiram criar dois “Protocolos de Consulta Prévia, Livre e Informada do Povo Arara”, um para cada terra indígena. Os textos começam com os aprendizados que eles acumularam nos contatos com as pessoas de fora. Lendo esses relatos, a gente entende por que eles decidiram estabelecer essas regras de contato. 

A leitura dessa saga é emocionante e muito educativa. Os documentos contêm fotos lindas das aldeias, que nos transportam para a vida dos indígenas na floresta.

Os Arara da TI Cachoeira Seca se apresentam assim: “Nós somos o povo Ugorog’mó que mora na Terra Indígena (TI) Cachoeira Seca, nas margens do Rio Iriri, no centro-oeste do estado do Pará. Também somos conhecidos pelos karei (não indígenas) e por outros parentes indígenas como povo Arara. Somos um povo alegre, forte e resistente. Nosso povo viveu por centenas de anos nas florestas das margens do Rio Iriri, caçando e coletando. A floresta ainda é nossa casa. Conhecemos a floresta profundamente, mais que ninguém. Algumas gerações atrás, o nosso povo e os Arara que vivem na TI Arara éramos o mesmo povo, mas um dia nos separamos”.

Noutro trecho, eles observam: “Além do governo, as empresas empreendedoras também tomam decisões sobre nossas vidas sem sequer falar antes com a gente. O governo permite que isso aconteça. Isso está errado”. 

Os da TI Arara contam o seguinte: “Moramos na Terra Indígena Arara na margem esquerda do Rio Iriri, que também faz fronteira ao norte com a rodovia Transamazônica. Antes do contato com o karei (branco), que aconteceu de 1978 a 1984, vivíamos na floresta em pequenos grupos caminhando muito por um grande território que ia de Santarém até Altamira. Nossos pequenos grupos se encontravam de tempos em tempos para trocar informação, fazer festa com a bebida tradicional feita do inajá, o aremgu, e realizar casamentos. Quando a Transamazônica começou a ser construída, um pouco antes de 1970, chegaram muitos karei. Nosso território começou a sofrer invasões e a floresta começou a ser cortada. Nós ficamos com medo e fugimos. Deixamos casa, roças, locais de coleta de frutos e de pesca, até nossos mortos tiveram que ficar para trás. Tínhamos morada onde é hoje a cidade de Medicilândia, KM 90 da Transamazônica. Depois das primeiras invasões, passamos a caminhar muito mais, mudando de lugar todo dia. Por isso, também terminamos abandonando nossa agricultura”. 

O documento prossegue, mais adiante: “Vivemos hoje numa grande luta, resistindo aos invasores que chegam em busca de madeira, aos grileiros que tentam lotear nossa Terra, aos garimpeiros em busca de minério, aos pescadores e caçadores roubando o nosso alimento. Hoje vivemos preocupados, lutando para proteger nosso território e vendo a floresta, que é a nossa vida, desa- parecer ao redor da nossa Terra, diminuindo o espaço de mata para nossas caças se reproduzirem”. 

Há muito mais. O protocolo da Cachoeira Seca tem 80 páginas e o da Arara, 52. Ambos estão no site do Instituto Socioambiental, em documentos PDF, nos links a seguir:

Protocolo de Consulta Prévia, Livre e Informada do Povo Arara da Terra Indígena Cachoeira Seca.

Protocolo de Consulta do Povo Indígena Arara da Terra Indígena Arara.

 

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