Plano do governo de legalizar garimpos causa preocupação

Garimpo Juruena, Mato Grosso. Foto: Adriano Gambarini

Lourival Sant’Anna

A produção de minério do Brasil está se deslocando de Minas Gerais e de outras partes do país e se concentrando na Amazônia, principalmente no estado do Pará. Grande parte dessa produção é ilegal. O governo tem um programa para legalizar o garimpo e a pequena mineração. Há alertas de que isso pode levar ao esquentamento de minérios retirados de áreas onde a extração é proibida.

O setor faturou R$ 339 bilhões em 2021, pagou R$ 117 bilhões em impostos e R$ 10,3 bilhões em royalties, chamados de Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM). Desse último montante, R$ 4,3 bilhões, ou 42%, foram arrecadados pelo Pará, que, com o fechamento de minas em Minas Gerais, está se tornando o maior produtor do Brasil. O estado já é também o maior exportador, com 35%, em termos de valor (US$ 27 bilhões) e 48%, em peso (180 toneladas), disse o governador Helder Barbalho, durante seminário na Fundação Fernando Henrique Cardoso, nessa quarta-feira, 17/8, em São Paulo.

Essa, claro, é a parte legal da produção. De acordo com o Ministério de Minas e Energia (MME), apenas de 2% a 3% da mineração no Brasil é feita por empresas de grande porte; 15%, de médio porte e o restante, mais de 80%, por micro e pequenas empresas. 

“Temos obrigação, como estado, de olhar para essas empresas espalhadas por todo o território”, argumentou Lília Mascarenhas Sant’Agostino, secretária-adjunta de Geologia, Mineração e Transformação Mineral do MME. “Temos que trazer esse segmento para uma consciência de empreendedor verde, em que se sintam pertencentes a alguma coisa, com possibilidade de contribuir com o país.” O caminho, segundo ela, é eles se juntarem em cooperativas.

O governo federal criou em fevereiro, por decreto, o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala (Pró-Mape), para facilitar a regularização de garimpeiros e mineradores irregulares. 

Na visão do governo, o programa poderia ser reforçado com a aprovação do projeto de lei 191, que prevê a atividade de mineração em terras indígenas. Com base na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que o Brasil assinou em 2002, as comunidades indígenas teriam de ser ouvidas antes da implantação da atividade.

Mas há um projeto de decreto legislativo, tramitando na Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, destinado a retirar o Brasil dessa convenção. Segundo Monica Sodré, diretora-executiva da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps), a proposta aguarda manifestação da relatora, Tereza Cristina, ex-ministra da Agricultura. 

O argumento do governo, disse Sodré, é que, por causa da escassez de fertilizantes em razão da invasão da Ucrânia, seria preciso explorar potássio nas terras indígenas. Entretanto, segundo a diretora, só 8% das jazidas de potássio do Brasil estão em terras indígenas.

O ex-ministro Raul Jungmann, que agora preside o Ibram, disse que o setor de mineração é contra o PL 191 e também contra a saída do Brasil da convenção da OIT. 

A secretária-adjunta do MME ponderou que o Canadá e a Austrália, dois países onde os minérios têm importante papel na economia, “trazem exemplos magníficos de convívio, com empresas de mineração que são os melhores parceiros dos indígenas”. Segundo ela, o governo brasileiro está “debruçado sobre o regramento de como devem ser as oitivas” nas comunidades indígenas, com base na Convenção 169 da OIT. 

“A ocupação do território da Amazônia vai acontecer. A história das ocupações mostra isso”, argumentou Sant’Agostino. “Se não tivermos um regramento, será de forma desordenada. Nossos modelos de repressão à ilegalidade não surtiram efeitos positivos.”  

Ronaldo Lima, diretor da Agência Nacional de Mineração, defendeu a separação entre o minerador ou garimpeiro ilegal, que por exemplo atua nas terras indígenas, e o irregular, que gostaria de trabalhar na legalidade, mas não tem meios de fazer isso, por causa das dificuldades burocráticas impostas pelo estado. A facilitação dessa regularização seria o foco do Pró-Mape.

Para o governador do Pará, a regularização do garimpo é a aceitação da realidade: “Ou fingimos que não existe ou construímos uma política séria e robusta, com regulamentações necessárias, para o garimpo artesanal. Assim como temos pesca artesanal e industrial, agricultura familiar e de larga escala.”

Barbalho disse que “não se trata de passar a mão na cabeça de quem é ilegal”, mas de criar regras para a legalização. “Quem não quiser adentrar para a cartilha, está fora.”

O presidente do Instituto Escolhas, Sérgio Leitão, preocupa-se com essa política de legalização. De acordo com levantamento do instituto, metade da produção nacional de ouro no período entre 2015 e 2020, ou 229 toneladas, tem sérias evidências de ilegalidade: “Não se sabe de onde veio”, resume Leitão. O estudo fez um cruzamento de 40 mil documentos. 

Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs), empresas do sistema financeiro autorizadas a comprar ouro, são acusadas pelo Ministério Público Federal de comercializar ouro ilegal extraído de garimpos do Pará. Segundo Jungmann, são apenas 5 DTVMs que concentram a posse de áreas de garimpo.

A atividade ilegal também está concentrada geograficamente. Tasso Azevedo, coordenador do projeto MapBiomas, levantamento do uso da terra no Brasil, disse que a mineração está em 11 terras indígenas e em apenas 28 das 700 unidades de conservação. Quatro delas são reguladas. As outras, garimpos ilegais. Os 10 municípios que têm mais área minerada estão na Amazônia. 

“A mineração é compatível com a conservação da floresta”, avalia Azevedo. É intensa, mas é “site específico”, ou seja, ocupa áreas pontuais, e pode-se recuperar a vegetação depois de esgotada a mina. “O setor de mineração tem que acabar com a ilegalidade”, advertiu Azevedo. “Proteger a Amazônia tem que ser uma obsessão nacional.” 

Jungmann afirmou que o Ibram desenvolve uma tecnologia de radioisótopo para rastrear o minério ilegal. O instituto propõe a introdução da nota fiscal eletrônica para facilitar o controle. A deputada Joênia Wapichana tem uma proposta de anular uma portaria de 2001 da Receita Federal, que prevê a aceitação de documentos fiscais da venda de ouro escritos a máquina, tinta ou ainda “lápis tinta”, com cópias de papel carbono.

Diante desse quadro, analisa Leitão, a regularização da mineração facilitaria o “esquentamento” do ouro extraído ilegalmente, como acontece hoje com a madeira da Amazônia.

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