Nomes em tupi-guarani revelam significados dos rios

O rio Negro: em tupi, ele se chama Quià-ri, ou “sempre sujo” – Foto: Adriano Gambarini

Os sonoros nomes dos rios amazônicos, com seus significados misteriosos para os leigos, são parte da mística da região. Numa preleção feita no dia 25 de janeiro de 1889, o jurista e jornalista João Mendes de Almeida, presidente da Sociedade dos Homens de Letras de São Paulo, decodificou esses nomes, sílaba por sílaba, revelando uma intrincada teia de significados em tupi – a mãe dos idiomas indígenas do Brasil.

Nesse extraordinário estudo combinado de lingüística e hidrografia, publicado pelo jornal “Província (hoje Estado) de São Paulo”, até mesmo o Solimões, o Madeira e o Trombetas, com suas sonoridades ibéricas, são flagrados como corruptelas portuguesas de nomes tupis. Dos rios importantes, apenas o Negro ganhou nome com significado real em português. Em tupi, ele se chama Quià-ri, ou “sempre sujo”.

O Amazonas ganhou esse nome em 1541 por causa do explorador espanhol Francisco de Orellana, que, ao ser atacado por índios, fantasiou tratar-se de guerreiras como as da mitologia grega – numa “fábula extravagante”, observa Almeida. Mais sóbrios, os índios o chamavam de Parà-nà-guaçú, ou “semelhante ao mar grande”. “É lastimável”, lamenta o jurista, “que as assembléias legislativas das províncias não tenham até hoje restaurado os nomes em tupi, os quais, acima de tudo, definiam perfeitamente os lugares denominados, segundo o sistema corretíssimo dos indígenas.”

Solimões – Çuri-mã – “altos e baixos e voltas”, por suas ilhas, canais intermediários e braços

Madeira – Mã-nd-yêrê – “impedimentos e voltas”, alusão às muitas cachoeiras e voltas que dá

Trombetas – Terõ-mb-etá – “muitas tortuosidades”, por causa do seu labirinto de canais, que formam inúmeras ilhas

Tefé – Té-cê – “saída errada”, por desaguar, após uma curva, num grande lago, em vez de no rio principal

Javari – I-abari – “rio difícil”, por causa das cachoeiras e saltos

Içá – I-çái – “rio espalhado”, pela formação de alagadiços e canais

Jutaí – Y-y-itá-í – “continuamente escorado”, por correr entre penedos e margens altas

Juruá – Yurù-yà – “boca rachada”, por desaguar em vários canais, além da boca principal

Japurá – I-apoî-rá – “desatado em alagadiços”, porque durante a enchente se comunica com outros rios, sobre as várzeas

Coari – Quà-ri – “com poço”, por causa do grande lago em sua foz

Purus – Pú-rú – “tem comunicações”, por causa dos braços que o ligam ao Madeira e ao Coari.

(Texto de Lourival Sant’Anna publicado originalmente no jornal “O Estado de S. Paulo”. Copyright: Estadão.)

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